Madhav Chinnappa traz uma perspetiva mais tecnológica ao debate. O diretor da Google para as relações estratégicas com órgãos de comunicação explica como o poder está hoje em dia completamente nas mãos do utilizador.
Um dos criadores da Digital News Initiative, um projeto que ajuda a financiar meios de comunicação europeus como o “Observador” ou a RTP, fala sobre como a Google vê o seu papel no “ecossistema noticioso” atual. Destaca as parcerias saudáveis com a comunicação social, mas não deixa de afirmar que enquanto os media pensam em histórias, a indústria tecnológica pensa em séries de produtos.
Qual é o papel da Google para o jornalismo moderno?
Não é uma pergunta fácil, uma vez que o jornalismo moderno está a mudar e a desenvolver-se de forma tão rápida. A Google é e sempre será, a meu ver, uma empresa de tecnologia. Para responder a isto é preciso ver qual é o papel da própria tecnologia no jornalismo moderno. E penso que é um papel fundamental do jornalismo, hoje em dia. Não apenas na disseminação, em como o jornalismo chega às audiências, mas também na sua criação. Como foi falado há pouco [na conferência], pensa nos smartphones. Vê o que estás a utilizar para gravar esta mesma entrevista. A tecnologia está embrenhada em todos os aspetos do jornalismo. Não tem um lado discreto à parte de tudo o resto, está tudo interligado.
Algumas companhias, como o Facebook, estão a desenvolver esforços para combater a disseminação das fake news [notícias falsas]. A Google está a fazer o mesmo?
Na verdade já o estamos a fazer há algum tempo. Antes de as fake news serem um tema muito debatido. Porque a missão da Google é dar aos utilizadores o melhor conjunto de resultados para o que procuram. Por isso, a alguns níveis, pode-se pensar nas fake news como spam. Concretamente, lançámos nos Estados Unidos e no Reino Unido uma etiqueta de verificação de factos [junto dos resultados de busca].
A Google Search em particular tem um modelo bastante diferente do Facebook. Pesquisa-se algo e recebe-se em troca um conjunto de resultados, em vez de se ver apenas uma coisa sem se perceber porque é que apareceu. O que tentamos sempre fazer é arranjar formas automatizadas e quantificáveis de lidar com qualquer assunto.
Falemos da Digital News Initiative [DNI]. Como começou e o que lhe reserva o futuro?
Começou com uma conversa com órgãos noticiosos – muito amigáveis, devo dizer – em que nos diziam que não sabiam se nos preocupávamos com o ecossistema das notícias. E quando ouvimos isso ficámos muito surpreendidos, porque a Google importa-se. A nossa resposta foi muito baseada na tecnologia, “temos um produto aqui, outro acolá…”. Mas o que estava a acontecer do lado dos órgãos de comunicação – e eu venho desse lado, tendo trabalhado na BBC e na Associated Press – era que não viam uma história, mas uma série de produtos. Porque é assim que a indústria tecnológica pensa.
Por outro lado, os órgãos de comunicação pensam nas histórias e nos enquadramentos. Por isso propuseram-se a colaborar connosco no desenvolvimento de produtos, na formação, na investigação e na inovação. Foi nesses pilares que construímos a DNI, baseados no feedback que tivemos dos media. Conversámos sobre os desafios que a indústria enfrenta e quisemos colaborar em produtos, no que a Google podia fazer para apoiar a formação de jornalistas, a compreensão dos consumidores de notícias e a inovação no geral.
Que iniciativas se desenvolveram?
Desenvolvemos duas iniciativas, a Accelerated Mobile Pages [optimiza a visualização de páginas em dispositivos] e o Youtube Player for Publishers [ferramenta do Youtube desenhada especificamente para os órgãos de comunicação]. Treinámos cerca de 20 mil jornalistas. Financiamos o Digital News Report do Reuters Institute. O dinheiro da DNI ajudou a trazer o relatório da Reuters para Portugal, o que foi positivo. Tivemos duas rondas de financiamento ao início. Este ano vai ser especialmente interessante porque vamos ter notícias dos resultados desse financiamento. Devo dizer que Portugal beneficiou bastante. Teve 12 projectos financiados nas duas rondas. E estou ansioso por saber os resultados.
Então não houve problemas com nenhum órgão de comunicação europeu?
O que fomos capazes de fazer através do DNI foi criar um diálogo muito mais saudável. A realidade do projeto não é fazer com que as pessoas partilhem a visão do mundo da Google. É criar um diálogo. E o que estamos a tentar fazer é compreendermo-nos uns aos outros, mesmo que existam situações em que discordamos. Não há problema nenhum com isso, desde que se mantenha um diálogo e se entenda as posições uns dos outros.
Durante a conferência afirmou que os hábitos de consumo de notícias mudaram drasticamente. Em que medida e como é que a Google se adapta a esta realidade?
O ponto mais óbvio a destacar é que hoje em dia o utilizador tem todo o poder. Quando eu estava na BBC, nos velhos tempos, era preciso esperar pelo noticiário das 22h para descobrir o que se tinha passado durante o dia. Já não é esse o caso. O utilizador tem acesso a todas as fontes de informação que queira. E isso virou o poder do avesso. Na perspetiva da Google, um dos princípios fundamentais é seguir e centrar tudo no utilizador. Tudo o que pensamos passa primeiro por definir o que é bom para o ecossistema do utilizador. E esse foco, penso, é um motor para as boas colaborações que estamos a manter com os ecossistemas noticiosos.
Foi dito neste congresso que cerca de 70 a 75% das receitas provenientes da publicidade online são recolhidas pela Google e pelo Facebook. Esta distribuição é justa para os órgãos de comunicação que estão a produzir o conteúdo?
Também já ouvi essas estatísticas. A dificuldade com elas é que, no espaço digital, estão a misturar dois tipos de publicidade. A publicidade de search e a de display. Na perspectiva dos órgãos de comunicação, o que interessa é a de display. E quando olhamos para este tipo de publicidade, a Google só faz dinheiro com ela quando um meio de comunicação também ganha. Porque temos tecnologias de publicidade como a DoubleClick que ajudam neste aspecto. Olhando para isto, na verdade estamos a permitir um fortalecimento e crescimento dos media no mundo da publicidade display.