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Convenhamos que qualquer espectador, mesmo quando é jornalista (atrevo-me a dizer: sobretudo quando é jornalista), tende a reagir com algum cepticismo aos filmes em que as práticas do jornalismo são reduzidas a uma espécie de descoberta das catacumbas onde estava esquecida, eventualmente escondida, alguma arca perdida… O jornalista emerge, aí, como um anjo vingador que, sem hesitações nem dúvidas, repele a mentira e celebra a verdade. Como superar essa visão pueril e demagógica?
E se verdade e mentira não vivessem em países separados por uma fronteira estanque? E se o jornalista fosse também aquele que, ao deparar com algo de nítido e irrefutável, arrisca questionar a sua postura, problematizando as suas linguagens?
O filme “Spotlight” constitui um precioso testemunho dessas dificuldades, encenando o trabalho jornalístico num mundo humano, porventura demasiado humano. Desde logo, porque a investigação dos casos de abuso sexual de crianças por membros da Igreja Católica nos EUA (que valeu, em 2003, um Prémio Pulitzer aos jornalistas de The Boston Globe) é apresentada como uma procura de factos particulares e específicos, não uma leitura “global” da própria instituição a que pertencem os criminosos. Depois, porque estamos longe (muito longe!) de algumas práticas correntes no nosso presente (televisivo e não só), transformando qualquer índice de escândalo em ruído mediático que, em última instância, apenas gera dois efeitos igualmente gratuitos: primeiro, uma agitação “informativa” que se esgota no seu alarido; depois, a perda de qualquer perspectiva exigente e crítica sobre os factos abordados. Neste aspecto, aliás, importa sublinhar que uma fundamental linha dramática de “Spotlight” nasce da dúvida que se instala quanto à escolha do modo e do momento adequados para divulgar os próprios resultados da investigação desenvolvida.
Por isso mesmo, nada disto é alheio a um elaborado e, também ele, complexo labor cinematográfico. Com uma componente capaz de chocar as almas mais dadas a maniqueísmos ideológicos: “Spotlight” é um objecto gerado no interior de uma produção (americana) que tantas vezes é (jornalisticamente) reduzida a filmes fúteis com super-heróis…
O trabalho de Tom McCarthy (realizador e co-argumentista) remete-nos mesmo para o cinema liberal americano, afinal uma das mais nobres tradições de Hollywood. Não é, entenda-se, uma tradição banalmente política, muito menos partidária. Tem a ver com referências que passam, por exemplo, pela obra de um cineasta como Richard Brooks (recordemos “Elmer Gantry”, de 1960, sobre o fenómeno populista de um evangelista “caixeiro viajante”), ou por títulos emblemáticos como “Os Homens do Presidente” (1976), de Alan J. Pakula, centrado na modelar investigação do caso Watergate. É, enfim, uma tradição que envolve uma interrogação radical: como dizer/escrever/mostrar o esplendor da verdade, sem atraiçoar a infinita complexidade do real?
“O Caso Spotlight”
Título original: “Spotlight”
De: Tom McCarthy
Com: Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams
Género: Drama, Biografia, Crime, História
Classificação: M/14
Outros dados: EUA, CANADA, 2015, Cores, 2h 8min