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No palco do congresso nenhum diretor de órgãos de informação reconheceu a existência de precários nas suas redações. Fomos à procura deles e descobrimos vários… No próprio Congresso!
A precariedade é um dos assuntos que têm dominado o 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses. O Sindicato dos Jornalistas fez chegar ao evento as vozes de vários jornalistas sem vínculo contratual que não podem estar presentes ou estão a participar mas não querem ser identificados. O momento em que passou o áudio emocionou todos pelo drama das situações apresentadas. “Há medo sim, nas redações hoje em dia. E esses testemunhos todos que conhecemos são histórias de amigos nossos, ou de pessoas conhecidas”, afirma Sofia Branco, presidente da direção do Sindicato dos Jornalistas (SJ).
“Achamos que era importante trazer um registo muito diversificado do que está a acontecer”, diz a presidente do Sindicato. “Mas essas pessoas não queriam efetivamente vir falar ou dar a cara porque achavam que poderiam vir a ter mais problemas por isso. Portanto escolhemos, ao invés de vir fazer uma comunicação na figura da direção, dar-lhes voz”. Para Sofia Branco, a situação atinge jornalistas experientes e novos, sendo que estes últimos estão mais expostos, porque estão “a entrar com condições laborais muito diferentes daquelas que existiam há 20 anos”.
A pensar nesse problema, o sindicato pretende fazer várias acções, com destaque para a elaboração de uma tabela para as colaborações. “As relações laborais continuam muito presas a um esquema tradicionalista e conservador de empregador/empregado. E quando tens um terço dessas pessoas que não têm esse vínculo tens que pensar como a proteger.” E isso é o que o SJ pretende fazer, nomeadamente pensando numa tabela que terá valores mínimos para as colaborações freelancer, tentando que haja um vínculo dos patrões com aquela tabela. “Isso será um percurso lento. É uma questão complexa, polémica, inclusivamente entre jornalistas”. Até porque, segundo a presidente do Sindicato, “a verdade é que não posso dizer que os jornalistas são unidos, porque acho que isso não é verdade, infelizmente. Acho que olham para a sua própria situação e não percebem muitas vezes o dano que certas medidas causam ao coletivo, sobretudo se não lhes tocar a eles”.
Uma esperança viva
Uma das jornalistas que estão a participar no evento veio do Norte e pede para não ser identificada. Está na faixa dos 30, tem família constituída e, apesar da formação superior e da paixão pelo jornalismo, não consegue fazer desta a sua ocupação principal. “Só consegui sobreviver exclusivamente do jornalismo por três meses. Agora, para além do meu trabalho fora da área, tenho uma avença num novo órgão de comunicação social”, explica, acrescentando que na equipa “nenhum possui vínculo e estamos há seis meses à espera da aprovação de dois estágios profissionais”.
Outro jornalista, de 46 anos, afirma que o desemprego lhe mostrou “a vida real da maior parte dos portugueses. Nunca pensei estar nesta situação. Se a minha mulher não tivesse um emprego estável, e não pudéssemos contar com a ajuda da família, não sei como poderia ser. Estou praticamente a pagar para trabalhar, e mesmo a vinda ao congresso tem sido um investimento para fazer contactos, mas tenho uma esperança viva”, revela.
Até os jovens demonstram algum receio do que poderá ser o futuro. “Estou a fazer alguns trabalhos no jornal da minha terra enquanto aguardo a aprovação de um estágio profissional. Gosto do que faço e acredito que poderia ser melhor ainda, mas já falei com colegas meus que ao fim do estágio não tiveram mais oportunidades. Gostaria de ter uma carreira no jornalismo, mas já não tenho certezas”, desabafa um estudante de Jornalismo. “Estou a gostar do Congresso e de ouvir os mais experientes. Mas, até estes têm muitas queixas”, conclui.
Resistência, resiliência e coragem
Um dos painéis de hoje no Congresso trata justamente das condições de trabalho dos jornalistas e a expectativa é que seja feita uma comunicação, assinada por dezenas de profissionais da RDP/RTP, sobre a precariedade. Um dos subscritores, João Torgal, de 33 anos, fala sobre a sua experiência. “Sou um jornalista precário da RTP, um dos 34 que assinaram a nossa comunicação, e posso dizer que viver com a precariedade é viver com a instabilidade do dia a dia, sabendo que não há um conjunto de direitos, não há subsídios de férias, nem de natal.” O jornalista explica que mantendo-se o ordenado bruto, o ordenado líquido pode baixar sucessivamente de acordo com as atualizações da segurança social. “Sabemos que muitas vezes as férias são diminuídas e estão dependentes da boa vontade das direcões para termos essas férias”, lamenta.
Tendo sido professor de matemática durante alguns anos, João Torgal fez o caminho inverso de muitos profissionais do setor. “Eu vinha de um emprego mais bem pago, com melhores condições – porque a matemática me permite trabalhar em consultoria, em programação e noutros setores -, para uma área onde as condições de instabilidade são imensas. Eu sou um exemplo de estar aqui por puro gosto”, declara.
Para este jornalista, a precariedade só poderá ser resolvida quando houver “abertura dos quadros, diretores e empresas para eventualmente perceberem que ter trabalhadores mais satisfeitos e mais integrados nos quadros pode ser uma mais valia a longo prazo e que isso também se reflete no trabalho que fazemos”.
E se muitos jornalistas não têm lutado pela profissão, isso acontece por “puro medo de represálias. E, muitas vezes, independentemente de isso ser efetivo ou não, já se criou esse clima de medo de propósito para as pessoas não agirem. O Nicolau Santos disse exatamente aquilo que deve ser verdade. Nós devemos ser uma profissão e um setor de resistência, resiliência e coragem. Se nós não o somos, acabamos por pagar o preço por isso”. E conclui: “E se há coisa que salvaguardei ao longo da minha vida é que, apesar de tudo, o medo nunca me trouxe vantagem nenhuma e a coragem já me trouxe algumas”.